segunda-feira, agosto 19, 2024


A memória de um violino chega a ser
o mais importante, a escavação
que foi necessária para lhe arrancar
aquele som, para restituir
cada um dos ossos
a uma composição imaginária.
E se a perfeição é odiosa, não muito
longe, colhe-se um defeito admirável,
aquela sublimidade que buscavam
os exploradores polares transformando-se
em manchas nessas distâncias que ainda 
falam entre si, onde se ouve o eterno
girar do universo e a sua eterna morte
ecoar na frágil carne dos homens,
o mesmo pulso que ouves com as mãos
sobre as gigantescas pedras de cantaria,
a escala dolorosa do que nos cerca,
dos mitos, daquilo que já não parece
feito para nós. Alguns meses sem falar
e regressa o prazer de isolar as palavras,
de sentir o caule destas roçar num frasco,
como a tentação de dar cabo do estilo, 
traduzir apenas esse resto de sol
que fica nos ossos, e a luz dos lugares
onde o mundo não existe, onde te achas
entre corpos que já não se importam,
que abandonaram as histórias
e que o aguentam simplesmente. Vens
a um sítio destes e vês-te prisioneiro 
de um rosto obsessivo, da sua mania
de olhar, da insistência sem uma palavra
a que te agarrares. E nem isto, nada.


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