domingo, junho 16, 2024


A garrafa roda para cá e para lá 
como se estivéssemos no mar, e diz-me
que ainda temos tempo, não tirei nada
das paredes, o primeiro dia ainda se ouve 
daqui, eu gosto de o ter à minha volta…
Trazes uns girassóis para dentro,
e se estes podem ter achado deplorável
o quarto, ajudam a compô-lo,
emprestam-lhe uma graça desvairada
e duram quase até ao verão seguinte
antes de morrerem, e mesmo então
riem-se desgraçadamente 
deixam-nos esse rasto ainda vivo.
Como seres queimados pela espera,
ensinaram-me a importância do calor,
de um detalhe, o teu gancho no lavatório
a torneira pingando num ritmo
que acabou por se tornar hereditário,
estes hábitos a que me agarro
sempre que regresso à superfície.
Se antes sabia desenhar, não perdi tudo
e a obsessão hoje são os peixes,
reflexos à tona de águas pouco profundas,
e ainda temos o sol, que se mete em tudo,
seca-nos o verso tão cedo que este
acaba por soar precipitado, outras vezes
agarra-nos, atravessa-nos
sacode-nos se somos frívolos, falsos,
não se impressiona com quase nada
ainda que não se canse de ver os miúdos 
quando fodem, fazendo-se de tudo, 
aquilo sim, diz ele, as coisas que se fazem
sem necessidade de mostrar, é quase
tudo o que resta, a única coisa que importa.


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