Eu mostro-vos a noite, aonde nos levava
estando proibidos os passeios à tona d’água,
e não havendo corpos anteriores aos nomes
nem ar puro nem impuro
nem casas de chá nem um bordel onde despir
junto de alguém uma fantasia qualquer,
monstros calmíssimos a sós nos cafés,
os amantes desfeitos, abandonados
dois dedos amargos num copo,
um caderno absorvendo a corrente,
frutos meio comidos suspensos
a própria boca tivemos de a inventar
de todas as vezes, dava logo
com um grito que nos fazia o rosto rude
atento mais que belo, e isso foi por esses anos
um princípio de subversão.
Depois esperámos, fizemos disto
o nosso talento, pois pode-se estar séculos
sem nada nos ser dado, nem uma rolha vir
só o ruído de um ponteiro
mastigando algures uns segundos,
reflexos que não suportamos, um mar
por onde ninguém zarpa
perde a graça e o susto, cospem nele
as unhas, não é já uma imagem vital, o mar
lembra o olhar das coisas que evitamos
um horizonte cheio de falhas,
e se nalgum ponto
tudo por aqui desfalece, nós é claro
temos vivido nos dias adiados,
de olhos fechados conhecendo todos os nós
que se pode dar numa corda, e se
podíamos admirar-nos de tamanha ausência,
deste vento sem intriga nenhuma,
uma gente que surge sempre de costas,
preferimos outra coisa, e por isso
se escreve tanto e ainda
cada um afundado na sua cratera,
e talvez porque o mundo nos falta
chegámos a isto, largando por aí ossos
que nos levem muito mais tarde
noutras direcções, outras vidas e até
novas espécies, mas por agora
podes ver já reflectidas na água as luzes
da outra margem, podes supor
que desta noite restará o impulso, a viagem,
vozes que se encontrem noutra página.
Sem comentários:
Enviar um comentário