Há muito que existimos, e os corpos
sucedem-se como vagas,
a luz aprende tudo de novo, o espanto,
a doçura e logo depois a desolação,
é tão antigo e tão frágil, tudo
à beira da extinção, hoje
também os deuses estão na merda,
mal sabemos o que fazer com o escuro,
por isso te pedia cada gesto,
eu precisava ver, colhia as migalhas
com que desenhavas a fome aos poucos,
as luzes seguiam-te como pirilampos
fixando brevemente esse contorno indo
e vindo no corredor, a cama vivia de ecos,
de um enredo de séculos, e nós
encarnando figuras que não tiveram tanto
tempo, passamos os dedos, repetimos
os nomes que nos ocorrem, como acontece
nos livros, a rede de odores que prendem
num jardim um gigantesco ser,
brincamos, ofendemo-nos tocando
memórias alheias, vestes-te depressa,
a voz alterada, e já és outra quando peço
desculpa, talvez amanhã ou depois
um de nós chame, esperando quase
suplicando que outro responda.
Sem comentários:
Enviar um comentário