Ainda hoje dispersos por miseráveis quartos
os nossos corpos respiram entre sílabas
certas claras onde a vida bate
recordando os gritos das celas de outrora
nenhum acaso aqui além do jarro
e dos insectos com a sua triste música
alguma coisa se cala o dia finda
e da janela espreitamos
este sol que andou nos navios e
chegou ao porto já frio sem luz
alguém há-de comprá-lo arrastando-o
para o escuro rumor de uma casa
e a ele que roeu séculos
que tanto se riu dos homens
que dignidade lhe restará
além de se apagar escutando
o miúdo calar de cada coisa
não sei que idade poderia ter eu
para aguentar com isto, deito-me
cada vez mais cedo, e fumo
das mãos de outros, destes que leio
e também a mim, António,
os pássaros me insultam na cama,
soa-me lindamente, parece que deram
com o tom certo, e tiram daí
uma primavera do avesso
na queda do sono bebo-a de um gole
este sabor antes da inconsciência,
o sabor de se perder, de levar na boca
a noite repetida, o gosto do fundo
de que falavas, e que agora, tendo tu
ido à frente, se percebe melhor.
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