Cedo rasguei o cordão que ia daqui
para o mundo, farejava o já vivido
e virava-lhe costas,
nesse ponto ilegível um murmúrio
escapou-me e houve algo cá dentro
que levantou a mão contra nós.
Perante a glacial indiferença dos astros,
vimos sombras tomar por nós o chá,
virá-lo sobre a carpete, tocavam-se
de forma estranha, despiam-se
e iam decorando de espinhos a casa.
Obrigados a espiá-las em silêncio,
vamos descosendo a insónia um do outro,
ferimo-nos e foi assim que ficaste a saber
as poucas coisas que importam,
desde logo como tudo quanto parece certo
esconde o que há de pior,
que os deuses preferem a treva
e que ninguém apaga a luz neste mundo
como o faz uma puta.
Abres-me a porta, atravessa-nos a sede,
procuramos o poço onde possamos beber
esse reflexo comum, e com a água
já detida na mão em concha
parece que respiramos pela boca um do outro,
torna-se claro então porque dos amantes
se diz que sofrem como condenados
sensíveis a cada ponto
à tensão da linha que os cose
de tal modo que de um lado ao outro
se ouve bater a noite inteira há um toque
de telefone impossível de atender
cada ruído se alonga como um suspiro
range interiormente, soa na própria fibra
no mais fundo da matéria
como uma espécie de música letal.
Sem comentários:
Enviar um comentário