quinta-feira, outubro 26, 2023


A rua que nos resta não se deixa abater
nem pela falta de exemplos ou sinais
senhas entre quem vai e vem deixando
claro que querem a vida de volta
a superfície riscada de tantos ensaios 
e as notas desarrumadas, as badaladas
recordando torres desfeitas o relógio
engolido pelas raízes em geral
ligadas a um grito, tudo já depois
de interrogar deuses e fantasmas,
e torturar alguns, então com as unhas
arrancadas, tomado pela exaltação 
foi preciso abrir o relâmpago detê-lo
sobre a mesa e saber em que águas
se afundou, como o fôlego se tornou curto
e depois de tanto traçar vincos no escuro
fomos extraindo dele o único sol
soprámos nas mãos criando uma lâmpada
na sucessão de imagens os estilhaços
do astro que se perdeu tremiam
espalhados pelo chão ainda vivos
sombras variáveis em mapas terrestres,
e o assombro com que nos debruçávamos
para essas noites umas dentro das outras
onde o corpo já se acabara e as flores
infiltravam o quadro eléctrico 
a região aqueceu, a luz propagou-se
nos vidros em tantos reflexos,
o rosto alastrado e os restos de mármore
onde se adivinhava outra expressão,
para regressar por fim à doce miséria
do quarto, entre as sobras, marcas
de uso e desgaste, um caroço em tumulto,
a aranha esmagada e o batom,
esta maré baixa em redor, espuma, saliva,
esperma, e o gozo de ficar ali no meio
a dar-se como culpado, sorrindo.


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