A primeira noção do sagrado
do encanto pelas coisas terrestres veio
e ainda não tínhamos uma idade certa
vivíamos da caça aos detalhes
achando alguma pedra equilibrada num muro
não tínhamos tantos sinais
espalhados pelo corpo
viriam depois as dores aqui além
abrindo um mapa de lugares
que nunca quisemos conhecer,
a miopia a asma as cordas vocais
afectadas, e o ouvido fraco
a memória como destroços flutuando
parecendo apoiar-se na imaginação
e esses vazios no antigo sabor das coisas
aos poucos vamos imitando o amor
desde os vasos às descrições mais secas
dessas que obrigam a molhar os lábios
colhemos caroços nas camas
os livros abertos ali deixados
como frutos mordidos comoventes
a perfumar a desordem dos lençóis
fomos atravessando a intimidade
de estranhos, a membrana dos quartos
rezando entre as flores mais distantes
as mãos suspensas
os nossos instrumentos gastos
e a eternidade roncava surda
restava-nos a boca, ler os lábios
no balcão apátrida de alguns bares
nas zonas mais fundas
mais tensas da noite
onde começou para nós a descrença
nada antes nem depois mas apenas
esta vida a passar corrigindo
todas as ilusões que tínhamos
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