O que temos mais próximo tem hoje o gosto
das coisas mais distantes. Do futuro
sopra o alívio de uma brisa que nos desfaz,
e a morte soa-nos familiar como uma lembrança,
aquele vazio natural dos tempos
em que éramos muitos, indefinidos,
quando vivíamos perdidos nalguma canção
das de três minutos, repetindo-se até ao infinito.
Naqueles dias eu queria sentir o teu cheiro
e ver de perto o que fazias com o dedo
lá em cima de noite a colar como cacos
o brilho de outros corpos.
Talvez leve uns quinhentos anos antes
que alguém descubra a moeda que lançámos
e que foi sendo empurrada até perder
todo o valor e tornar-se enfim um amuleto.
Assim desvíamos navios, ganchos de cabelo,
olhamos os estendais imaginando a vida
por dentro, todas as camas desfeitas,
na mesa o brilho entornado
das estrelas, imagens copiadas à pressa,
misturadas com água com sabão e espuma,
e se não há muito que possamos salvar,
se tudo nos parece igualmente perdido,
não deixa de ser doce como se despede a vida
e nós com ela, num baile de náufragos.
As águas fervem e agitam-se,
o excesso de luz torna tudo insuportável,
mas prefiro balançar-me esquecido
a maior parte dos dias, e reter as noites
em que o corpo zarpa, deixa-se ir,
e vêmo-lo depois meio submerso por aí,
parecendo-nos estranho, tão seguro de si,
como se soubesse onde isto tudo nos leva.
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