segunda-feira, julho 10, 2023


Não deixes que esqueça os detalhes sagrados
ou a beleza recôndita dos sítios que despertavam
radiantes com a nossa pouca idade, lendo
inspirados as linhas que nos deixou
quem tínhamos rodeado de admiração 
molhando o dedo, desenhando-as no pó
dos rouxinóis de ontem. Quando alguém
desse tempo morre, a memória reacende-se
com a fosforescência desses lugares ausentes,
tudo parece afinado para esse rumor
que volta então. De noite e água sinto
então a boca cheia, falo baixo,
deito a cabeça como a vida no papel,
e o hálito ganha forma, gelado
como o espelho onde se afogam os colibris.
Aqui, as coisas copiam-se, buscam 
a região onde nada se esquece,
e ainda nos vem o sabor de termos sido
breves, gratos, comendo peixe seco,
laranjas quase podres e sonhos.
Roubávamos o que nos apetecia,
mesmo versos renhidos
desses melodiosos condenados:
um naco de sol e um pingo de mel,
lembras-te? Como lançavas sobre a mesa
o seu cadáver azul arrancado da corrente
ainda perfumado de tanto lutar
para se manter à tona,
passavas meses a sós com uma sílaba 
imitando-lhe o sorriso, e da boca
sorvias-lhe o último gole, aquelas horas
perdidas infindáveis pulsando como artérias
a alimentarem-se de sinais distantes.
Isso chega-nos, por agora,
a sombra sonora dos detalhes vigorosos,
a música rouca que persiste
quando tudo o que parecia importar-nos
perdeu a vez neste mundo,
e vemos como pelo interior de um bosque
os anos das nossas vidas vão
presos a um assobio que não morrerá
nos nossos lábios.


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