Com Pablo Neruda
as noites de substância infinita, o balanço e
os gestos de quem traz um sonho
despedaçado, como num velho espelho
a uma distância imprecisa aquele cheiro
de roupa largada flores ausentes o sabor
solitário desses que se animam ou desesperam
entre falsas astrologias deixando uma nota
algum pássaro de rigor mudo vigiando tudo
daqui as covas os abrigos onde descansam
entre corais os últimos náufragos perde-se
o talento o ritmo que desacerta a respiração
a mulher que me espera é bem maior que eu
colecciona o melhor das minhas horas
com um fervor absurdo calada constelada
parece-me que venho dos seus braços
mas tremo de a ver segurar um copo pedindo-me
a sede masculina as coisas que sabemos
esse rastro de uma estrela em desordem
como atravessa o desejo os fundos de uma vida
normal a ondulação indefesa dentro de casa
esses ciclos dos objectos espantados as armas
felizes embora inúteis tudo girando em torno
de si mesmo, aspas e dedos,
as referências impróprias riscos e desenhos,
contornos apressados que nos servem
como vistas largas quadros espalhados
a luz pingando nas divisões pinturas
que amamos um sobre o outro
tudo impregnado desse fulgor seminocturno
envoltos em ruínas doces, girassóis grávidos
gigantescas lâmpadas de azeite e a débil
vibração das naturezas segredadas mas se
devoramos tudo e a própria distância
exigir de cada noite um temporal parece-me
absurdo ou sou eu só dentro da minha pele
incapaz dessa consciência resplandecente
pois não tenho tantos anos reservados
nem alimento ou método para fazer alastrar
como um planeta fresco o coração que me pedes
por isso rezo a um deus substituto retiro
do bolso onde jurei ter o mar alguma concha
imperfeita tosca doce e espero que um resto
de cerveja balançando na garrafa seja capaz
de imitar o ruído quente da rebentação
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