Os dias sem tempo destes homens,
o mar exausto, sem mais nenhum desejo,
a peste de se sobreviver à peste,
e depois? O frasco onde molhar o dedo
e apurar o gosto terrível da imensidade,
de cada vez que o ponho na boca
tenho a impressão de que falo a língua
dos que só sabem das intimidades do espanto,
A chuva insiste num ritmo de outro mundo,
esse ritmo antes adorado,
e os velhos gestos como suaves reflexos
ainda nos empurram. Antes era o eco,
tinham o mesmo nome todos os espelhos,
Hoje estamos sós entre os males
mais reverentes,
afinamos o tom de se falar ao que nos falta,
praga tão doce, deixando o corpo por aí
como alimento de corvos.
Alguém há-de passar e sentir-se ferido
contando o nosso entre mais alguns
dos cadáveres que fazem brilhar o deserto.
Os astros no seu fragor longínquo
talhados pelo gume de tudo o que resta
compondo o vazio pelo caminho
chegam a tornar-se a única religião,
depois os idiotas fazem-no com os pássaros,
com a parte da natureza que se afinou
na perfeição do terror,
nós preferimos a proximidade, a imitação,
ecos cinzelados no idioma,
debruçados sobre os poços para falar
aos nossos filhos, às mulheres que nos viram,
a roupa arrancada viva às roseiras,
compondo com todo o vagar uma morte
e a rima de um corpo batendo com os ossos
nas pedras indo na correnteza de um rio.
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