As persianas cortam o tendão à luz
que aqui entra como se pedisse ajuda,
como a casa pede que a deixes digerir
esta desordem
antes que outra história te leve,
e a camisa faz da cadeira
a tua única testemunha,
respirando e recortando gestos
através do perfume das coisas de ontem,
um suave dissabor, um postal cortado
com os dedos, desenhado à mão,
com o cuidado honesto
do que se tem para dizer,
duas palavras de um lado,
do outro, a montanha e os pássaros.
As melhores frases ficam pela metade,
e logo se põem à escuta.
Quando recebes uma carta onde
é distinta a sensação da chuva,
dás também pelos ecos de uma vida
que te escapa. Assim admiramos
a saúde dos corações imundos,
a noção de que o mundo não deixará
de ser um segredo. E ela ainda
me lembra que um bêbado que cante
é mais do que suficiente
para que a inocência tenha a sucessão
assegurada, e que se tudo
nos é comum,
de pouco te vale inventar,
mas se insistes talvez seja porque a tinta
parece reter mais vivamente que o sangue
o grito lento que é a própria vida.
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