sexta-feira, abril 07, 2023


Que fulgor naquele gosto deles de apontar,
e o tanto que insistem que houve ali algo
tanto mais fundo quanto menos sinais
deixou, e pouco nos diz
que não se veja
se até com murmúrios atraem visões,
traficam com a distância,
usam o longe como medida e encanto,
tudo o que vem de lá tem uma razão imensa,
tal como usamos a fome para temperar
o que comemos, damos com as coisas
fora de ordem, remexidas...
O futuro tem vindo cá cheirar,
põe um dedo no fio, avalia a tensão 
e copia detalhes da correspondência,
ficam dedadas impressas
nas nossas constelações de pó, o mínimo 
é sempre o melhor para se ler,
como um buraco por onde admirar-se
com o olhar mais longo,
o mais interior ao escuro. 
E depois o hálito, o cuspo na tinta,
as letras grandes e de uma delicadeza
que deixara de usar-se, buscando indícios
que nos fiquem debaixo das unhas.
Recompõe cada um a sua bíblia secular,
insectos esmagados, flores arfando,
a história reavendo o riso, a pilhéria.
Sempre me pareceu que o mundo exigia
um certo estrago, a melodia espaçada
destes lugares devassados,
quando os homens voltam a dar
os nós, a apertar bem o que da criação restou
tendo a ideia de deus ficado fria demais,
e somos nós a noite, e as estrelas
reflectem-se na nossa carne
com o mesmo fulgor que nas águas.


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