Estes não falam já língua nenhuma,
mas sabem estar ali e fazer do corpo
esse feixe de impulsos radiosos.
Como quem conserta a pia da cozinha,
este monta algum acaso,
e ao redor vêem-se essas poeiras,
as manchas,
os sinais de uma luta que durou.
Domesticou um relâmpago e serve-se dele,
toma notas, risca, permanece alerta
a indícios, persegue-os
vai compondo de ouvido a tempestade,
perdem-se tantas páginas com uns rabiscos,
e mais à frente damo-nos conta
de que era o vento, e de como ressoa,
tudo fica aos solavancos, a casa persiste
numa desordem melódica,
e mesmo ao longe sente-se a impressão
das marés. E ali ficou a capa arrancada,
um pouco da cola nos dedos.
Tinha tantas maneiras de estar em equilíbrio
neste mundo movediço que se ri
da adaptação.
E agora é inútil exigir à memória
que cale o bico,
tomou o gosto ao vazio
deixado pelos seus hábitos, gestos
da vida que ignoramos, e que volta depois
torrencialmente,
o cuidado com que se demorava
junto às janelas,
aquela fraqueza que permitia à luz
fazer estranhas comparações.
Bebíamos café aos goles da imaginação
um do outro, ela
fazendo com as mãos o gesto da chávena
e eu a pintá-la.
Às tantas nem era já muito claro a que reino
pertencíamos, mas pela derrota
pela ruína que sobrou, por esses
indícios que hoje copiamos
talvez sejamos fiéis a
não querer outra coisa, não estancar isto,
nem esvaziar os cinzeiros ou os pratos,
definhar no cheiro do fruto mordido
guardando o caroço.
Sem comentários:
Enviar um comentário