quarta-feira, novembro 23, 2022


Somos fiéis a tão poucas coisas, à luz
que se balança ao nosso redor,
a nomes impossíveis para o nosso timbre,
praças onde a ausência nos morde o ombro.
Cada vez são menos as vozes íntimas da nossa,
e a memória busca os sons
como dentes espalhados.
Também ao fogo se acaba a música
e só então admira o seu rastro,
como um corpo ao afastar-se da cama
incapaz de suportar as imagens de há pouco,
o desmazelo que resta após um frágil encanto
ter tido a sua dose.
Invejamos o amante que é leal a si mesmo,
leve e insistente, tecendo no escuro
a sua corda harmoniosa, aquele pulso
segregando um doce enredo.
Gostaria de encostar o ouvido e provar
o sabor de ser eu, por fora
e em todas as coisas, como ela faz,
cantar à superfície, balançar-me num respiro.
O gosto de morder o que nos é estranho
e cantar a própria pele num acordo
com outra vontade. Ouvir na distância
que o outro nos pede esses frutos
que não deixam de cair mais e mais fundo, 
vibrando na carne como uma ideia fixa
que vale pelo mundo, esse escuro
de que se olha cosendo com a linha mais rude
uma frase para se ter debaixo dos dedos 
enquanto a razão se perde
e apaga todos os caminhos.


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