quarta-feira, novembro 16, 2022


Não dá para acabar seja como for,
e foges, com o juízo enleado nas estrelas,
enquanto o reflexo nas montras te lembra:
cedo serás sombra... Mas já és,
cada vez mais parecido com a noite
o tipo que se aferra a uns poucos cuidados
que guarda como último prazer
o de ouvir a lua ferir-se nos ramos,
deixando um brilho de leite, mas rugindo
como sangue. O bêbedo é o nosso canário
e fica-se pelas escadas, ao piano
dando resposta a ecos,
a sacudir aparas de antigas paixões.
Não parece, mas é uma conversa,
a agonia banal de quem perde o fio
e não encontra a saída.
Copias notas de suicídio desde que leste
a de Romain Gary, e ensaias a tua:
a mulher que se virou contra a parede,
com a televisão ligada, os frascos abertos, 
migalhas de um sonho impossível de estancar. 
Como um desenho, suave demais
para se prender à carne,
aquela beleza de uma insolência sem necessidade.
Voltas lá, olhas para ela, na cama, sorrindo,
dando-te ânimo para esse tiro na têmpora
que possa enfim corrigir alguma coisa.


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