No futuro, o pó,
nuvens como cães sem dono,
e o ruído de um rádio morto, lá fora.
As paisagens remexidas, a sensação
de que nenhum lugar se aguenta,
de que viajamos mesmo quietos,
tentando agarrar-nos às coisas.
As distâncias foram-se tornando
tão variáveis que passamos os dias
a dissecar mapas e escalas,
a perseguir detalhes ou minudências
num acerto que se mistura ao desamparo,
com o desejo de arrastar o mundo na voz,
na leveza da ressaca, num resgate cuja luta
vive do desaparecimento e de restos.
Se cada homem é uma noite,
nunca como hoje a solidão exigiu mais
da memória, o frio que se sente
ao seguir relatos arrasadores
de tão concretos, ainda que imaginários,
uma música vaga feita de medições,
notas sobre a geologia das costas,
guardando faróis e conchas,
o contorno vivo da flora oceânica
ou a descrição delicada de portos sepultados
e outros submersos. Ouvimos vozes,
comovem-nos os sinais da derrota de outros,
sombras que se misturam nas dobras do tempo.
A mesma mordedura na palma das mãos,
as linhas rasgadas até à confusão
dos destinos, não tão diferente assim
do modo como os astros nos perturbam,
como nos debruçamos nos poços ou nos livros,
encontrando descanso na voz
dos que se repetem.
A aventura é precária e, anos depois,
os antigos companheiros tremem
uns diante dos outros como de um reflexo
que vai demasiado fundo.
Levantam o rosto, fixam a lua,
essa bandeira de uma nação naufragada,
e despedem-se com um gesto que cai
sem encontrar nenhum ombro.
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