terça-feira, maio 03, 2022


Uma pedra de sal e silêncio dança descalça
sobre a linha, finíssima, e a cada instante
uma sombra neste mundo
balança para o outro, o caos volta a exigir
o seu canto, outras voltas, vozes, a vibração
do que vive e se lança para lá dos limites
que temos conhecido, um rumor
do que era dito por se sonhar alto,
quando o pó levantado descobria a sua voz,
naquele recreio onde os garotos brincam
com as pedras de um monumento derrubado,
gigantescas cabeças de animais, mitos obsoletos,
e que espalhados pela terra mantêm
um certo fascínio, esse perfume já morto
que depois da chuva persiste, uma canção
antes doce e hoje favorável ao ódio.
Não temos paciência já para heróis,
o que temos é o fim do mundo atravessado,
estremecendo nas células, esse ontem
de que nos falam, livre agora
para uma desordem nova.
Mas do interior de que carne
nos poderia a vida parecer ainda espantosa?
Quando a memória rompe com a sua luz,
as coisas carregam o fardo da eternidade
como se nada fosse, e voltam a dispor-se
entre a nossa solidão, como astros.


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