segunda-feira, maio 02, 2022


O deserto perdeu o frescor das luas,
o passo sussurrante que em tempos
nos fez tombar de ouvido 
para um rastro mais fundo e luminoso,
as formas da imaginação por fim degeladas
não vão já com o lirismo que se pratica hoje,
e nem sangue fresco ou outra das naturais
formas de vingança estão ao nosso alcance,
também por isso abalámos, enfebrecidos
por descrições geniais, atrás de Pizarro e outros,
para o interior, em busca de imaginárias
florestas de sândalo, noutra dessas jornadas
em que a demência nos fazia sentir multiplicados,
arrogantes do nosso número, mas tão depressa
os homens caem, sombras uns dos outros,
até restarem esses poucos que a tudo preferem
a droga de ir ao fundo das coisas, a influência
das profundezas, dos grandes riscos,
e se deixam devorar assim por caminhos,
por paisagens, dão cabo dos ossos,
ficam expostos, roídos pelos elementos,
são enfim só nervos, e como nos aterrorizam 
depois certas frases pronunciadas sem ênfase
pelo gosto daquilo a que sobreviveram.
Por um momento ainda vibra em nós
um fascínio entressonhado, de resto
o tal quotidiano não passa de uma vaga
e sórdida suspeita, e os que se dizem poetas
ofendem-se sempre primeiro, promotores
da sensaboria, repetem as suas escusas,
dão-se a tosquiar nos seus abundantes versos,
entregues a enlevos fingidos, jogos gratuitos.
Quanto ao ódio, esse reservam-no aos que passam
com a boca cheia de estilhaços e verdade.


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