Era este o tempo que tínhamos,
obrigado por permanecerem nos vossos lugares, 
aguardando que isto escorra, dê a última volta,
indo ao fundo das vozes, aos velhos ossos
entre os quais o córrego se detém.
Aqui onde as medidas mais próximas da carne
perderam a forma, descansam da vida,
há cuidados tão belos quando mudos,
como se beija os mortos na testa,
como certos silvos fixam a vida na pedra,
e se damos demasiada corda ao pássaro
ele deixa de cantar e enforca-se, mas a queda
não deixa de ser entre todas a nota mais doce
capaz de soar mesmo acima das sirenes,
enquanto as luas em trânsito se nos reflectem
na pele, e se parecem com sinais antigos,
direcções sem correspondência já
neste mundo. Tudo o que nos resta debaixo
da luz de um astro divisível, a prestações,
o vinho que se bebe entre as flores,
o sangue e as flores, o papel de parede
cada vez mais escuro, o tronco nu e o riso,
a canção na  rádio de que ainda gostas
e te faz perguntar se isso será o suficiente
para um tipo saber se existe? Cortaram-nos
os fundos, o sol rasa a terra sem se demorar
nem a aquecer, os degraus estão desfeitos,
e a recibos verdes o céu parece uma vitrine.
De manhã as laranjas irão acender-se uma a uma
com intervalos de sabor cada vez mais estranhos,
quando o dia tiver a extensão de um dedo,
virás cá fora escolher alguma coisa 
de entre toda a criação
para acabar com o sofrimento dela:
nem mais um piu, e a mesma coragem
é necessária para se saber que o sentido do fim 
nasce de não lhe acrescentarmos outra palavra.
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