domingo, agosto 05, 2018


Que insaciável beber de uma água que tem sede.
Ángel Guinda

Deitada a garrafa, fica o peso e o som de passos numa conta de perder, tudo o que já me esquece ou apenas se repete neste sangue, ansioso entre falha e vício. Ligar a imagem e o reflexo antes que se anulem, antes que a manhã reúna as sombras a um canto e nos venha dizer em que ficámos. Descer o corpo amanhecido, para ver gente, sentir a rua, parando às esquinas a soletrar grandes cartazes, a soma de infinitos que finge correr diante de nós. Li tudo o que apanhei do chão nestes suspeitos cafés tristes onde lhe recortei a figura vezes demais: lume entre contornos deliciados, o molde de um tempo que sabia de música. Muitas páginas cheiram ainda à praça onde as tardes mais nos juntavam. Resta um olhar sobre o olhar, uma folga na corda, e ficar aqui tirando as horas pelo desmancho de certos corpos, uns restos de gente tentando em vão defender-se com o álcool. Presa na beira do copo, a alma já farejando o inferno, ficar aqui e esconder a voz nas mãos, noutro caderno de restos e reflexos com vagarosos cuidados e em íntimas deserções. Isso que se impõe contra a nossa ruína. Pouco mais senão o escuro fixa ainda alguma direcção ou sentido. Candeeiros vagueando pela bruma dão-nos uma ideia da distância a que enfim nos tornamos anónimos. E não há desejo mais forte que o de esquecer o nome que nos chama, aquilo que outros sabem de nós.

Sem comentários: