segunda-feira, julho 22, 2024


Procurado por algum crime que hoje 
já esqueceu, desviou-se da rota, viu
coisas que não esperava da carne
e foi tomado de outra obsessão,
buscando algum fragmento perdido
do relato que impôs esse intervalo
entre a sua vida e ele, interrogando
tudo na varanda entre cigarros, plágios,
como tantos nessa idade incerta
bebemos cerveja, olhamos o mar
imaginando que mais poderá seguir-se,
trocam chistes e lendas estes que ainda
se mostram capazes de alguma ênfase,
descascando a realidade como uma peça
de fruta, deixam-na pelos quartos, 
onde passaram temporadas do avesso
os astros beliscando-os no sono,
entre visões recortadas por outra luz
sob o efeito da qual recolhem
a sua forma mais lúcida. Mais tarde
o sangue há-de perder o gosto pelo mundo, 
mas por agora a noite estende-se sem
acatar limites ou proibições, cada nome
suporta um certo desgaste e ilumina
esta época em que os verbos se conjugam
no plural. O navio aos poucos deixa-se
consumir, a água sob a quilha, a onda
corroendo a popa, da proa esteiras
correndo, onde era a amurada, agora
há videiras, e trepadeiras onde era
o cordame, também as sombras acabam
por consumir-nos o reflexo, o ar sem vida
vai ganhando nervos, e o som que então
nos acerta como um harpão até estes
hábitos próprios de quem se habitua
ao cativeiro, e da vinha que tomou conta
dos remos colhe as uvas com que alimenta
os seus leopardos, entregando-se ao felino
lazer enquanto dispõe sobre o soalho
as antigas escamas, e se despede de vez
do azul profundo que teve ao seu redor.


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