Para lá da vegetação, e depois das palavras,
tenho vigiado um desastre encantador,
à medida que as luzes perecem
faço as rondas,
inspiro algumas vezes enquanto oiço
sinto-a no sangue às voltas essa sílaba rara
espécie de colapso, um ritmo feroz
que não cabe neste mundo,
ouvem-se as vozes, a canção
desses povos que escamam trovões,
sabem como são necessárias as asas
para se atar um pássaro, e como o céu
não passa de um gesto mais largo
ou de uma forma de expressão,
assim também a terra é
a continuação daquilo que falávamos:
os nomes tornam-se estranhos, pedregosos,
a língua lenta, olhamos e de todo o lado
nos chegam sinais, os níveis confundem-se
as superfícies mostram-se radiantes
arrancando pétalas a reflexos roubados.
Continuamos juntos,
sobram-nos as noites e a cama,
todo o trigo e a distância
que consumimos no fogo destes ossos.
Abandonámos há muito a extensão absurda
desse bem-estar cruel.
A vida teria necessariamente de ser outra coisa.
A nossa tarefa, como bem viu Bolaño,
será acabarmos os dias nalgum cárcere
ou manicómio, deixando memórias,
explicações aos pássaros
sobre os nossos crimes tão premeditados
e não menos passionais,
a lírica que nos exigia este tempo,
fazendo desses lugares as derradeiras
barricadas, verdadeiras comunas de artistas.
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