sexta-feira, março 17, 2023


Um início mal escutado
com o canto do galo coado e o nevoeiro
a recozer-se, o sol alisando a saia
para esse amanhecer de pele translúcida,
nesta cidade dos desaparecidos
falamos alto para nos darmos sinais,
o mundo troça e afasta-se de nós.
Por vezes, cruzamo-nos entre hábitos antigos,
vincando o tempo em decassílabos,
as rimas e outros despojos nalgum caderno
com vista sobre um campo de melros
presos por um assobio. Espreita ali:
um desenho e um nome num muro
são a voz um do outro, e quietos
como quando aprendíamos a ler
chegamos ao fundo disto, o sermos daqui,
e estes lugares desfeitos em pó
que o vento arrasta falando por nós.
Temos feito de tudo por retomar 
a articulação com as constelações,
mas tudo soa a uma longa despedida,
um comboio que nunca parte, a sua agonia.
Mesmo se os versos nos dizem que a beleza 
nunca fez outra coisa senão esperar,
se a água continua a ser doce na minha boca,
o resto azedou. Ponho-me de pé,
vou-me separando: carne e óxido,
a haste de milho dobrada pelo vento,
este campo de melros, como num sonho,
ligados por um assobio, e assim
escutar tudo o que dos nomes se apodera,
e aquilo que voa e parte deixando para trás
esse resplendor contrário, a vida do avesso
ou as formas que já não reconhecemos.


Sem comentários: