quinta-feira, outubro 06, 2022


Quem hoje não se esconde ou abre um fosso, 
desvia uns quartos de hora para afundar-se
num esplendor obsessivo? Quem não se perde
na cópia à mão de alguns sinais,
como os tantos que da velhice fazem
o seu osso, e passeiam em sacos de plástico
um mesmo cadáver, confessando
o tipo de coisas que só a noite perdoa,
sabem as variações desse soluço
que se repete largo
como uma descrição da vida,
apreciam o álcool de se saber duas coisas
ou três, perder a tarde
nalguma zona conhecida pelas cerejeiras
ou pelas prostitutas, calma e bela
como um postal, instruindo o olhar,
nesse baile do que fica de quem passa
a partir de uma mesa de café,
alternando breves goles de cerveja escura
com breves passas de cigarro,
e lendo também aos poucos um livrito
sem se perder no enredo,
mas só pelo gozo de se deslocar
entre dois tempos, dois lugares,
como quem lê o horóscopo ou fixa
os detalhes de uma autópsia,
dessas que rendem anotações espantosas,
devolvendo aos dias o prazer do rascunho,
das repetições, afinações, a onomástica,
geografia, efemérides, e ainda,
ao lado da tua paciência ou da minha:
atlas, herbários, notas para outros rituais.
Esses modos comuns que cada um descobre
para abrir ao público a sua solidão.


Sem comentários: