quarta-feira, agosto 10, 2022


São de preferir hoje os velhos
as suas lembranças alucinadas e infames
as pragas que murmuram sempre que o chão
lhes falta, o modo de enxotarem insectos
urdidos no íntimo pressentimento 
de que a vida só resiste por teimosia,
ao menos estes em certas tardes
quase quietos manifestam um estranho desejo
têm um começo de dança, gestos imprecisos
nos quais se esconde um deus,
o suficiente para que se perceba como o vazio
é uma mudança de vento nos jardins do paraíso,
a memória por si só já produz embriaguez 
como o ouvido treinado entre fontes,
pombas, pintassilgos, ou os olhos
levados a buscar no escuro esse corpo suave
que passa tão perto, não entre, mas ao lado
de seres de uma elegância de tal modo afinada
que não se permitem tocar uma nota que seja,
ah, belas almas do caralho,
imóvel juventude dos nossos dias,
esta que não morrerá por coisa nenhuma
sentindo-se reforçada no seu genial desprezo
por tudo, nem a prova nem da vida
detém uma impressão mais firme, recusa
ficar presa ou sequer comover-se, não admira
não ama nem odeia, toma os sentimentos
por uma adesão antiquada,
e num frio desapego descreve o mundo,
o que resta dele, com o hálito a pântano
de um embalsamador,
já não se descalça nem vai pé ante pé 
em rima antiga, prefere que se fale dela,
dos seus hábitos e preferências,
a que as suas imagens arrebatem outros,
nem sente dever algum para com o desespero,
nos nomes que usa não há qualquer febre,
vive de distâncias, cálculos e
de uma precisão doentia,
toma o amor e a morte como duas faces
de uma moeda já fora de circulação.


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