Os reis mais jovens vêem no espelho
as suas cabeças cortadas,
falam em segredo, os pincéis pingam
ao fim de anos, os nomes conservam ainda
uma espécie de susto, os poros abrem-se
à passagem da lua, mas sem os lobos
esta lembra um mendigo vestido de noiva,
os dedos procuram desenredar a respiração
controlamos a cidade através das persianas,
a doença fala ao que de humano resta em nós,
a arte deixou de entender o desejo,
nem se trata já de engolir o corpo e o olhar
de outro, só as imagens dos desastres
conseguem oferecer-nos algum alívio,
a única canção que se ouve é uma dor aguda
sob os ossos, o anjo livrou-se da peruca
e já ninguém quer beijá-lo,
o paraíso não se parece nada com o que vimos
na televisão, um revoar de pó triste e sujo
cobre os grandes cartazes, a beleza não passa
de uma alusão a coisas e seres extintos,
a Califórnia já não existe, flores
e abelhas eléctricas povoam os cemitérios
em homenagem aos antigos sonhos,
os que guardam recordações desse tempo
envelhecem junto a uma janela, abrem outra
lata de sopa da campbells molham o dedo
como se o pusessem sobre a alma
e tentam ler a linha que logo começa a tremer
enquanto uma mosca se encosta ao peito da noite.
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