sexta-feira, fevereiro 18, 2022


Acho-me cada vez mais embevecido
com o brilho de mundos que morrem,
ver nos homens as expressões
de soldados esfarrapados que vagueiam
à chuva, dando esses passos
que servem de inspiração ao anoitecer.
Há uma raíz bebendo tudo isto algures.
Este modo de apresentar armas,
sermos destroçados, sem deixar a posição.
Move-nos no silêncio uma fé enorme
em actos gratuitos e delirantes,
nas artes insolentes. Por mim nada melhor
que vir dar-vos notícias falsas,
viver embrulhado num jornal, ler tudo ao
contrário, dar ao pássaro pedaços,
ouvi-lo misturar com os restos de um romance 
policial. É tão fácil desinteressar-se
do enredo, mas se a dor for honesta
é possível isolar a gema
do relâmpago, soprar essas sílabas
de sangue escuro em ajustes sábios,
sentar-se a um balcão onde tantos
rasparam as estrelas do seu firmamento,
reunidos aqui depois de termos visto
o nosso país apagado, e todas as ilusões.
Hoje despertamos de uns sonhos para outros, 
entretendo lembranças traiçoeiras,
mal distinguimos já o perfume
da realidade, feridas nossas e alheias,
mas gostamos de coisas pequenas, usadas,
que possamos trocar como se tivessem valor,
selos de correio, bilhetes ilegíveis, tu sabes.
Se aqui chegaste foi
pelos teus próprios meios, e porque
aquilo que te parecia ser o mundo
também já se acabou.

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