sábado, dezembro 11, 2021


Não há vantagem para quem canta,
mas talvez ainda nos acompanhe
aquela música que se arrancou
com a tempestade e o balanço
às grades de ferro da cama.
Agora não nos condenam à morte
mas a algo pior, a vida suja que sobra,
agora que nem o mais caótico dos versos
os faria tremer, pequenos monstros que são
vivendo à margem de qualquer idioma.
Ao saíres, tens como ritual este:
deixas os pregos da noite a balançar no prato,
olhas uma última vez o espelho,
o sorriso vazio que te serve de máscara,
e vens esperar-me junto à porta mais negra.
Falamos na língua dos que se apagam
virados para o lado contrário,
para uma luz que nos mantém gelados,
protegidos dos outros.
Depois de meses de esforços,
hoje queimaram por fim o firmamento,
a vaga hipótese que nos restava de escaparmos,
aquela desincronia dos céus, 
esse ritmo de sonho que nos deixou
tantas manchas na pele,
e os olhos engolidos.
Hoje, só o pó nos ouve, e nós
ouvimos ao longe serem lidas
as páginas da história entre as quais
fomos esmagados como flores.
Por ser impossível sentir-lhes o perfume,
admiramos o estertor desses que tiveram
na cor o seu último rosto.


Sem comentários: