segunda-feira, agosto 16, 2021


Se o sangue é só alvoroço, cada som
de fora te educa e retorce, te mostra ainda
como a morte está atenta à vida
e entre os erros melhores levanta a sua raiz,
deu-nos de si o traço lutuoso da tinta
para que, em troca, lhe inventemos as regras.
Cada um toma o seu caminho, abre-o,
como irmãos odiosos que virão a desfazer-se
na mesma espuma. Uma onda sobre a outra.
Nesta época nauseante, deves escrever
e recitá-lo de modo a que as moscas
caiam mortas em pleno voo, disse um,
alguma coisa se pode exigir, dos outros,
de nós próprios, disse outro, uma luz
que soe mais alto, que faça alguma diferença,
como embarcar e ouvir-se a si mesmo nas águas,
coser a própria imagem entre tantos reflexos,
e vomitar no convés de todas as vezes.
Ter visto ao longe coisas que se agarram a nós.
No meio dos céus o sinal do que nos foi dito.
Pôr de volta um pé em terra, e rezar
separando os ossos num murmúrio.
Levar a sombra num tumulto absurdo.
Assim a terra treme à chegada da noite, 
e se adormeço no meu pobre catre
oiço a floresta tropical, as flores guincham,
tiveram dentes, e quantos olhares feriram?,
hoje o seu pó dispersa-se pelos milénios.
À imagem do fogo, a boca canta, alastra
erguem-se num mesmo som,
assim resplende a flor inversa,
nessa afeição agreste cobre-te o tronco,
vem pelos ramos, encorpa e cai,
no chão engole pedras, cacos, raizes
parece ouvir o passado cantar quebrado
a respiração entre as ervas, folhas, vimes,
esse real apenas tingido, a sensação que
nos arrasta, ritmos que, vivos, nos ouvem,
mas depois disso fica frio e então
como nos cansa o que existe,
tudo são redondezas, o milagre soa 
envelhecido, a vida já se inclina
e não nos resta agora mais nenhum erro.

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