segunda-feira, agosto 02, 2021


Levanta-me o rosto, a vida presa pelo fio
de um gesto: como exibe o sinal, a tinta rosada
uma flor junto à cona que se dá
no aroma de um grito, subo-o
por esses velhos degraus já gastos,
e vejo o que posso, pressinto o resto:
ali o cântaro de água florida
a pouca diferença que os séculos lhe fazem,
mas uma gota de sangue basta
e logo se altera o tom,
ao ouvido soa tremida a terra inteira,
o galope e o relâmpago erguem a poeira
e um sopro vivo desata a noite.
Assim, quando um sonho num quarto
é suficiente para desenraizar a casa
que se ergue do chão e parte flutuando
e com ela também as ervas e o poço
das raízes à água que bebo fica claro
o curso imutável das coisas.
O tempo ronda; aí estão as flechas,
a água vermelha, a flor e esse gosto
que me transforma por dentro.

Este mundo tem razão de ser amargo,
mas eu que dele sinto só o espanto maior,
nos frutos ainda o tremor
da antiga virgindade, o desejo
da mulher dançando enredada
na canção da sua sombra,
eu não posso, não me esqueço
e persigo o prazer, mesmo que dele
já só reste o júbilo das palavras exactas.

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