terça-feira, janeiro 26, 2021


Dai-me outra vida e à primeira oportunidade
irei encontrá-la no café, muito quieta, 
a espiar Brodsky, sentado a uma mesa
simplesmente, num tempo resgatado
entre memórias, tão distante e próximo
a vida que se conserva nas cartas extraviadas
onde o som das palavras nos aguarda
e se observa a partir dos reflexos nos olhos
essa outra face, os jardins de promessas feitas
a momentânea curva ou a rebelião desconhecida,
e será tarde para se falar na guerra
depois de um final tão acertado e generoso,
cobertas de pó as coisas que amámos
entre o jarro e a bacia a água, laminar e firme,
ficará de guarda entre nós mostrando-se capaz
de distinguir os passos de cada um
a hortelã silvestre tomará conta das ruínas
o seu hálito dirigindo-se à nossa imaginação
como se o mundo dormisse na frase de um poema
nenhum século daqui em diante nos importará tanto
estarão despertos os amantes, caçadores todos
de frente para a hora propícia,
livres por fim da história, da sua lúgubre ficção
e aberto o livro das semelhanças
as formas mais tocantes, as mais desejadas
poderão reencarnar, como um ritmo
a luz que foi separada pelas épocas,
os olhares lançados ao fundo de si mesmos
vindo à tona neste café onde nos servem
por fim o prato da nossa própria fome.


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