Não há um raio que bata nos poemas hoje
meta o ferro quente na carne,
espicace a escuridão a toda a volta,
que revire a terra amarga
faça brilhar os frutos mais altos
não há um corpo vivo que cause pavor
uma tempestade vinda de longe
que dure uma semana inteira
só desculpas, atrevimentos ingénuos
confessam-nos coisas de nada,
quase lhes escapa: a benção, padre...
mas nada disto canta, aborrece-nos tanto
em vez de canários oiço o universo reduzido
ao pingar no lava-loiças,
e até o preferia
se levado às últimas consequências
deixávamos de lado toda a beleza
e toda a glória,
com todo este desencanto
a derrota sabe a mais, tem muito mais gosto
bebêmo-la de uma taça nem quente nem fria
um silêncio com tempo para amadurecer
confuso primeiro, estúpido até, mas
depois melhora, acalma, pressinto então
que existiu aqui em tempos uma cidade
ou existirá, o melhor é que ninguém
ainda lhe deu nome,
e precisamos de vazios destes
imensos, criando ecos que voltem
para nos caçar,
eu rezo pelo pior,
aquela urgência que voltará a zumbir
entre nós depois da passagem dos exércitos,
as lições do pó e do frio,
dos passos dados com grande custo
na terra húmida,
se me perguntares acho que o paraíso
é só um alívio
e que tem de ser buscado no inferno
e que os melhores entre nós querem apenas
deitar-se uma vez mais com alguém
os melhores têm uma só ideia fixa
chega-lhes para uma vida inteira
e morrem de olhos postos numa alegria
que não vem,
mas que olhos os deles
só ali parece que toda a luz se perde
e a morte por fim merece a fama que tem
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