Lembra-te, anda, diz quem foi
quem primeiro disse a um gato que
tinha toda a razão
viu nele o oposto de um padre
mesmo se igualmente cerimonioso
e o viu passar nestes efeitos de transição
entre cenas da vida conjugal
e a solitária, a paisagem já desmontada
um espaço interior semi-obscurecido
ali a magra flor que inspira fundo
como ter alguém que dorme na divisão
de boca aberta e fazer fila para ir ver
com quantos mais olhos
discutindo com os sonhos dela
a noção das proporções
trocando vertigens, a incerteza
sobre que ideia a realidade faz de nós
aqui, teu triste antro hoje
nuns arranjos de altar
já todos sabem a que santos rezas
que diabos, no fim, te dão ouvidos
escolhes, ordenas os estilhaços
essa floração que aperfeiçoas atravessando
de uma ponta à outra o escuro
com a lentidão de quem
executa cada nota na cabeça
assim explodes
sentes abrir e rasgar-se a carne
nos ramos do próprio grito colhes
um fruto que fixe o centro do sangue
os ritmos, como um concerto barroco
assistes exiges mais da secção de cordas
tão grande parte da vida passaste imune
mas logo há uma noite apontada a ti
um bando de astros truculentos
desses que vêm ver-te à pior luz
a razão bêbeda de si tacteando as margens
do irreversível
um verso atirando a corda, outro
dando o nó, o último
chuta a cadeira e, já fora,
alguém agoniza com um ar surpreso
enquanto a dor não lhe tira as dúvidas
aguardas que se cale, que deixe ali tudo
e a cidade se ponha inteiramente à escuta
o solo sublime que há em cada estertor
e assim toda a imagem que estale a retina
pende como um enforcado
o espanto contorce-se, nas veias cospe
um veneno, à carne nem os corvos
a querem, desta piada
nem a morte fica a rir-se
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