quarta-feira, janeiro 03, 2018
A que reflexos se entrega a sua carne,
que sonhos truncados lhe deram
essa ligeireza, esse ar revirado
por onde um velho rumor passou
chamando os imortais
nesses pobres quartos onde o amor
é feito e escrito com a pressa
do que foge, sem primavera sem rima
sem trocar os lençóis sem nada
e nem do mais puro
mas desse de qualquer jeito
com vista para um jardim dos tais
coitados para lá da floresta
onde fica às vezes uma mão de fora
dos vícios e adolescentes enterrados ali
e volta e meia lá vem nos noticiários
têm fama de sacanas os pássaros
que ali cantam como em outras partes
e há tiros p’rá boca como manhãs frescas
anjos fodidos que vêm fazer troça
ao anoitecer a lua reúne lá
o seu séquito de tolos
um fantasma de roupão deixa grilos
pendendo das estrelas por um fio
sem chafariz nem fonte resta a água
desafinando em cântaros quebrados
um só candeeiro serve uma luz
cheia de tremeliques
a não ser que um puto lhe peça
para acabar os deveres da escola
do cimo, da janela
deitas um olhar sobre estas coisas
a vela acesa na última linha
faz tremer a vida inteira
a chama passando a língua
entre os tornozelos da noite
a parte de nós que fica, morre
do lado dos índios ou, já neste século,
embarca com o resto dos malditos
numa canção que vá cuspindo
na carne de que é feito o amor
essa coisa triste condenada
a lançar os dados o dia todo
longe dos jogos civilizados
ganhando balanço até à hora
em que os deuses assobiam
ao ritmo do pulso dos homens
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