segunda-feira, novembro 13, 2017


Um estado de exaltação nervosa, estudando as saídas, o horizonte esfrangalhado, como se antecipasse uma chegada transformadora, uma lança perfurando num golpe de força antiga esse cruzamento de sensibilidades, neste corpo de desencontros, com as suas variações domésticas, uma música não completamente coincidente, que faz estremecer tudo no seu lugar, os objectos parecem valsar uns passos além dos seus contornos, deitar-nos um olhar lânguido, mas se os focamos logo se recosem, despem o vestido que ainda há pouco era todo um salão de baile, e da nossa tontura vienense caímos de volta nesta luz aberta à faca, com vista sobre o rio, tristes margens de perfis industriais. A continuidade é um desgosto, só um livro despedaçado, um romance que corresponda a este estado de quem se sente atravessar as suas formas, diluir-se por uma incapacidade de preservar a sua identidade, o homem que levanta um copo para beber mas se confunde com o líquido, tremem-lhe os lábios, não consegue engolir esse gole de uma água que em vagas na boca ganha o sabor de um silêncio garganteado, como se tivera entre os dentes os corpos de coisas que ia dizer mas desistiu. É difícil levantar-se de si, e pior, quando te olhas já estás uns passos além, talvez por isso um baralho de cartas com figuras expressando-se por signos enquanto dançam no intervalo das nossas incertezas seja capaz de ganhar ao talento das mãos para gerir acasos, um livre arbítrio, fazer gestos imprevisíveis até para quem as comanda, como se entre cada coisa que lhes exigimos, e a que obedecem com a maior servileza, tirassem algo para si, um tique delas, uma vénia ao imprevisto, e é possível que com algo variável nas mãos, esse ritmo de acasos construa uma leitura enleante, não fossem as minhas, contudo, dessas que usam de excessiva delicadeza, para logo que se lhes retira o açaime se porem a dobrar, esgarçar, a cheirar uma falha que permita romper, rasgar, destruir, e tantas vezes no próprio rosto, noutra parte do corpo, passam vigilantes como gatos e perdem o juízo como cães, buscam algo fora do lugar, uma saliência, e de uma imperfeição mínima armam um cerco, ferem, fazem a morte por mil cortes, e tê-las assim, em cima a vida inteira, sobreviver-lhes, talvez isso explique o nervoso, o de um ser por si mesmo acossado.

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