Obeissez à vos porcs qui existent.
Je me soumets à mes dieux qui n’existent pas.
René Char
Bruscamente a janela recorda-me
que tenho um rosto.
Levo-lhe a mão e sinto nele
a incrível ausência
daquele miúdo estúpido e doce
que esperava o melhor de mim.
Escrevo algumas linhas sentado,
a cama absolutamente desfeita,
uma só flor agoniza
na jarra da inspiração,
largando um cheiro odioso.
Nas ruas assisto à grosseria das manhãs
O vazio imitando o melhor que sabe
(do que se lembra e pelo que ouviu)
a ordem mágica do despertar.
A região não tem pássaros,
é de uma frieza inquietante,
servida de ecos, gritos abafados.
Sempre um mau tempo que
não se explica.
A chuva amolece-me os ossos.
Se ao menos as árvores se calassem,
gerassem frutos, mas não.
O vento arrasta-se eriçadamente,
esfomeado, geme. Parece às vezes
falar sozinho. Umas ideias estranhíssimas.
Nos charcos é fácil perceber o olhar frio
dos deuses.
As flores ardem num instante, apagam-se,
deixam-se pisar.
Tento recuperar os nomes às iniciais
entre a retórica dos muros
nesse desvio face aos dias em que jurámos
nunca crescer.
Não restam agora quaisquer dúvidas:
Crescemos.
Sem comentários:
Enviar um comentário