sexta-feira, fevereiro 20, 2015


Pior que a falta de inteligência, tem feito muito caminho por estas bandas uma inteligência covardola, que gosta muito de levar a sua colherinha às sepulturas, pedir emprestado aos mortos mais brilhantes da nossa língua uns versinhos lá do tempo e das motivações deles para agenciá-los contra as supostas pesporrências deste ou daquele. Este que, afinal, não tem tantas dúvidas de que se a vida está hoje mais difícil e a realidade asfixiada e asfixiante não é só porque há quem eleja passos coelhos, mas porque fora da órbita mais central, há quem se eleja diariamente rato, roendo, empestando o ambiente. Não podíamos estar assim se fossem só os animais que mandam. Há também muito jogo e trunfos na manga dos animais que obedecem. Há uma mediocridade doentia que se promove para fazer nada, para calar, para seguir com a feira o mais cabisbaixa possível. E é isto. Mas vem sempre um fazer de sinaleiro, armado em sério, apito nos beiços, estabelecer o ponto de ordem, pôr o seu pintelho na salada. Como se o nosso problema fossem as pesporrências, como se o problema não fosse o partido geral de conas & enconados que traz isto tudo pacificado com a noção de que estamos todos na merda, mas de que a culpa (estranhamente) mora lá longe, do outro lado, servindo-nos até de bode expiatório para a panhonhice que aqui reina.

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Como está bom de se ver aqui ao lado, o mote para os próximos tempos está com a necessidade de se buscar uma poesia que ensine a levantar, já que aos caídos parece que andamos todos nesta enfadonha bandalheira do Facebook, que serve a uns e aos demais para se amigarem num recreio infernal de festividades inanes a coser afectos mórbidos. O radical oposto de uma ambiciosa infância, lar das tolinhas, esta imbecilândia, acrítica, ferozmente banal e sem vergonha. Chegado a este ponto, é urgente o amor mas pela via contrária, porque há mais cumplicidade num choque frontal do que neste avanço cego e de mãos dadas nos vales do tralará. Não me digas que aí nos fundos não começa a ganhar ânimo um certo nojo por este espectáculo de horas espojadas carentes a querer provar pelos números que se salvam. Que não estão sós. O que fizeram à solidão? À mais árdua, sem ecos nem canais. Foi o melhor remédio durante séculos mas subitamente fica-nos mal? É irremediável. Mas nesses disfarces, de facto, parecem bonecas à volta de um serviço de chá no quarto de uma tontinha que já tinha idade para se pôr a ler O Monte dos Vendavais.
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Sempre mais discretos, constantes, com um canivete no bolso e um frasco de fadas, um lenço com o cheiro dela para sempre, e escrevem mais como se pudessem, como um vento que dá do lado de cá para compensar o atraso que leva a vida, cordões desapertados como o laço aberto no pescoço, e menos sorriso do que se pensa, uma razão íntima com as coisas, uma alegria sisuda, menos naturalistas ou ecologistas do que selvagens, capazes do mal com o mesmo aproveitamento que tiram do bem, e isto é que os só-parvos não entendem nem lhes perdoam, a dor com que um certo mundo paga uma liberdade mais funda neles, como gostam de pardais e não deixam de os comer, como mataram já tanta coisa só para lhes abrir o relógio, vão sobretudo e raramente vêm, raramente se juntam, como não sentem falta, e encantar as gentes não está muito alto nas suas prioridades, sempre mais fortes porque já cá não estão, como se idos falando mais alto, evadidos do pequeno juízo, menos homens que caminhos, menos uma moral que o próprio som, mas sem fúria, e contornando o palco, o teatro, a aleivosia e o tumulto, sempre mais discretos, constantes, tiveram família, terão nos lugares mais despropositados, sem um particular afecto, antes um destino frio, cortante, como quem toda a vida cai, mais se acelera, e fá-lo no entanto sem peso, sem receio nem vertigem, tudo é perdido sem desejo de ganho, sem jogo, uma paciência letal de índio, confuso com tudo, incapaz de vaidade ou outras distâncias infelizes ou grosseiras.

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