quinta-feira, outubro 16, 2008

Realmente

Realmente a faca não corta o fogo. Por outro lado, o fogo destrói, reduz aquilo em que toca a cinzas, a partículas (quase) inexpressivas. Já a faca, tem sempre mais trabalho, divide em porções menores e calculadas - distribui alguma coisa.
Entre a devastação (mesmo a mais inteligente) e o golpe da afiada lâmina - cirúrgico e preciso - prefiro a faca. A faca fiel à mão como a esferográfica. Por uma poesia que fuja do coração, dos seus incendiários excessos, da sua capacidade de impressionar e se deixar impressionar, muito num primeiro momento e cada vez menos depois, para deixar-nos sem nada num momento final.
Uma escolha não é melhor que a outra, talvez nem se excluam, mas pelo que se tem visto com os incêndios, quando as últimas brasas arrefecem eclode um silêncio perturbador.

1 comentário:

josé carlos barros disse...

[PODE NÃO REDUZIR]

Às vezes o silêncio perturbador
regressa das máquinas de puxar o sono
da água
ou: de puxar a sombra dos lençóis subterrâneos
onde quase
adormeceu
de tanto arder
a língua frágil
dos nativos
inúmeros. E ninguém foge
do coração se
ao coração o não alimenta a mecânica
estrangeira
dos fluxos. Perturbador
o silêncio é antes dos incêndios que
a poesia o reclama:
inclinado
às amoras sedativas
das raízes brancas
da valeriana.