É precisa alguma coragem
para fechar os olhos neste mundo,
e nós sempre apostámos contra nós
a favor da imaginação que nos corrói
afiando algum trovão um fio entre coisas
de nada, reescrito mil vezes atravessando
quantos cadernos, num brilho
em que se cruzam os suaves solitários,
culpados, mal dormimos e tantos são já
os sonhos a aguardar a sua vez.
Ficamos a ler quietos à luz dos fogos
de um mundo a desmoronar-se
com uma destas canções ordinárias
mas doces a tocar em fundo.
Não tens quase nada no quarto,
umas flores secas, as frequências de uns
poucos, o morse que resgatamos entre
as paredes finas deste século, neste profundo
asilo ouve-se a água, o cerco, as ervas
que crescem por aí, os livros na cómoda,
a ilha que recuperaste sozinho,
as frágeis espécies inventadas metidas
debaixo de astros que ninguém incomoda.
Depois de uns anos de estranheza,
torna-se um gosto sentir a ferrugem
nos ossos, tremer de ideias que se colhe
como frutos negros que a cada hora
nos refazem a boca, o olhar, a perspectiva,
e ficamos nessa conversa fiada,
gozando a imoralidade própria
dos que se sabem sórdidos mortais.
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