segunda-feira, dezembro 16, 2024


Das cem vezes que fomos ao fim do mundo,
pelas contas que tu fazes, eu já preferia
apenas quedar-me sentado a ouvir
esperando pelo dia em que só nos reste
recuar, dar claridade ao que ficou
pelo caminho e rever tudo ao longe
a despegar da casca, emendá-lo, pôr lá
novas cousas e assustar os que morrem
com o dedo encardido nalgum mapa
temos o mar ali à direita, dando-nos corda
e alguma pena, soando como o riso
dos afogados, mas dizes tu que ainda
cercamos terras inverosímeis
aquela desmesura lenta do que
nos assombrava, o que persiste hoje
sem perfume e só nos cansa, assim
de bruços sobre mesas de pouca luz 
parece que desenhamos um do outro
o contorno no pó que se acumula.
Neste país de gente acenando 
para alguém que foge, tão cedo isto
a que chamam vida nos desmoraliza.
Lavamo-nos só de raro em raro,
como velhos reis sem apetite nenhum,
enredado o suspiro nesse murmúrio
em que nos cozem, se retemos memórias
é só do que se viveu por fora, eu aprendi
noutros mundos vi sobre outros muros
espiei tirando notas volumes e formas
por isso antes que a imaginação se esgote
e só a oiçamos tossir encher-se de bolor
volto regresso lá como me lembra
entre os detritos e por onde ainda dói 
com o sangue tomado de um ritmo
capaz de corroer os ossos como ferrugem
e faltando isso um dia destes até prefiro
morrer destelhado como o Assis a
lamber o reflexo na montra duma livraria
quase distraído quase desinteressado


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