terça-feira, abril 16, 2024


Pode ser que o gosto das mãos
pela pedra aquecida ao sol
nos leve de volta a um verso de musgo
onde o nome de navios incertos surja
entre sons perdidos pontuando as ruas 
inventando outra infância a tempo
de sermos transformados pela sua memória.
Depois de abdicarmos do sentido
a voz que se esgotara parecia agora
chegar de outros mundos,
e que perto da pronúncia tudo ficava,
esses corpos que quisemos partidos
em poucas sílabas
enfim soavam abaixo do nível das tempestades,
mas se primeiro foi suficiente dizê-los
encostar a boca à mesa, sentir-te fugir,
depois a ausência parecia pior.
Hoje eu pagaria por um remorso honesto,
uma dor servindo-me de guia
sendo tarde já para me sentir humano,
para supor que posso alterar
seja o que for, e mesmo
quando para coisas destas
só nos resta um público de merda
fizemos uma cidade de tantos desvios,
do ranger de ossos de cada vez
que escapávamos, passando dias depois 
a monte, e por instantes
vimo-nos “num subterrâneo cheio
de estrelas” onde as águas corriam
levando o reflexo de uma presa impossível.
Eu quis-te e por isso fiz de mim
um caçador descalço, um grilo
capaz de enrolar a fita das noites
até ao princípio dos tempos.
Entre sangue e pó, quando isto acabar,
talvez a única coisa que me denuncie
sejam as flores de tinta debaixo das unhas.


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