Derrubado sobre a mesa sedento e lúcido
apanha num reflexo a imagem vulgar
que invertida lhe surge tomada
de um súbito esplendor,
torna-se claro como a beleza desdenha
dos nossos melhores esforços e repete
que "a eternidade não fica para estes lados",
como o presente é um nó que se desata
em dois sentidos,
bastava que virassem ao contrário o tempo
logo veríamos o pássaro quase desfeito
ali na relva ser restituído à vida
pelo trabalho mágico das formigas,
estamos a ver o filme do avesso,
a perder a intenção e a nobreza,
a inventar deuses inspirados em limites
absurdos.
Num outro mundo de cafés
escrevo uma carta com o dedo na água,
um modo de cantar sem abrir a boca,
vivo de pedaços dessa "circulação sombria
como um poço", mas deste lado
o rosto mal suporta a luz,
dói-me a respiração pois estou a fazer
tudo com esforço, a realidade são apenas
detritos e restos, temos sempre
de arrancar as raízes, tentamos aplacar os dias
e doem-nos os cornos, enquanto algum sonho
corre sobre as nossas cabeças veloz
radiante e ágil como as constelações.
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