segunda-feira, outubro 25, 2021


Com um missal a balançar sobre os joelhos
o apartamento entregue ao murmúrio
de estranhas flores, escuras, curvadas
a vida desloca-se entre recortes ambíguos,
notícias de jornal, palavras quase mudas,
as tuas melhores intenções, as angústias
os resmungos, tudo geme aí no livro
a moral colapsou, e não é o mundo
mas outra coisa, a história que contamos,
a vertigem das visões abandonadas,
todos esses valores sentimentais
que deixámos no prego,
a intimidade ruindo, o modo como tudo
hoje se passa atrás de cortinas,
podíamos procurar uma igreja
se nesta época os sinos não soassem a falso,
atraindo uma gente fria e sem imaginação
penso nos antigos sinos, esses que dobravam
firmemente o nosso silêncio, o pavor que nos tocava
vamos entre a névoa de um desespero selvagem
grandes navios de sombra atracam a esta hora
e largam nas docas versões mais leves
bebendo sem se prometerem ao fundo de nada
uns falam como filósofos, já outros
sussurram idílios ao ouvido de prostitutas
fazem apostas quanto ao céu e aos anjos
tão ingénuos quanto lhes apetece e
enquanto algum poeta tenta apalpar a eternidade
a um canto um aguarelista de lábio leporino
acha contornos mais doces para isto


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