quarta-feira, janeiro 20, 2021


Com Ezra Pound

Longe dos tempos em que desejei
infectar uma cidade, falar-lhe 
como se lhe cosesse na respiração
ágeis antigos encantamentos
erguendo de um sopro só o palácio
e a toada há muito propagada entre as torres
o som negro das águas lá em baixo
e a meia altura quebrado o canto dos pássaros
confessando a pouca vergonha e moral
das coisas naturais, mas quantos desses
haviam já pousado nervosamente
em teu lábio mastigado,
e o que da treva e das flores ficou
como um orvalho juvenil em tua palma
agora que o sinto tornar-se mais frio
sem grande esperança de que cedas
nos leve a corrente e depois de tanto
nos desfaça nas margens, isto hoje
quando só se ouve a canção do vagabundo,
ouvem-se os bêbedos de nevoeiro
na oscilação dos quartos, e no que resta
dos alfabetos iluminados retomamos
o manuscrito em que cubro da ausência
todos os veios, cada prega e ruga
até que reencarnes e te mude a disposição
te alcance do outro lado do orgulho
o olhar amoroso e quantos sentidos mais, 
as voltas todas no louvor de teu belo talhe
cabelo dourado, linhas suavíssimas
o torso, a cintura que apertam os laços
do corpete, este ideal esmagado pelos dedos
de hera que nas fendas crescem,
como o meu quarto treme desde as raízes
e entre cada dobra balbucia lenta
em rosa e ouro a minha consciência
e pode ser que venha do grego ou que tenha
origem bem mais distante e te comova
que persista ainda rumo a que jardins
agora que para teu bem me queres mal,
agora que se parecem com lugares históricos
os recantos que só a febre pode descrever
de um modo parecido como os sonhos abrem
a ferida mais funda, e se cinge uma figura
cuja beleza nos faz perdoar que dela restem
só traços esparsos perdidos noutras mulheres.



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