quinta-feira, janeiro 07, 2021


Acordas, ou não, quem o distinguiria?
A mesma tempestade a balançar nos ossos, 
colhes o sol filtrado, toma-lo nas mãos como
uma chávena de café acabado de fazer,
as formas tremem perto de ti,
"despejas terras de memória", imagens
presas na retina, soltas na mesa,
abertas ao meio no papel,
o que vivemos e o que não, sombras
que regressaram ao estado selvagem,
a luz subtraída a si mesma e dentro dela
a terra suspensa, sem raízes,
sem mais voltas que dar.
No pó secaram os mares e os rios,
o timbre dos sinos, as cores, até o olhar,
cobriu tudo de vez, o pó alongou-se até à morte
e dentro do idioma ficaram ecos, vozes
ressoando no espaço morto entre as estrelas,
assim um sussurro que encontre a carne
é já difícil e precioso, um toque de consciência,
disso só já se cria uma abelha,
um desenho vivo como uma chama fria
a desdobrar-se numa busca frágil,
eterna mesmo se infrutífera,
para além disto
sentes a melancolia das máquinas 
lendo de noite a Ilha do Tesouro
como nós em tempos líamos a bíblia ou assim,
há ainda um pouco de whisky e Sinatra,
o gozo de nos embebedarmos de memórias,
sentes esse zumbido unindo as células
e com o dedo traças as constelações nas águas
de um sono sem profundidade,
incapaz de produzir mel ou outra coisa,
tocando no copo deixas-te arrastar 
por alguma maré, beber de um trago
o gosto aflito do teu afogamento.
A verdade é um atalho, tudo bem,
mas por esta hora o que nos domina
é uma avidez tal de caminhos,
dos velhos motivos de errância...
O amor tornou-se um talento discreto,
um sentimento entre estranhos,
não ilude nem tem como se ferir neste mundo,
e o sexo é um pretexto demasiado fraco
para repetirmos os erros do passado.
Mais longínquos do que antes,
somos da raça que vem desaparecendo
num silêncio sem mapas. 
O que resta é para os loucos.
Eles que vos digam porque isto
vale ainda a pena.


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