quinta-feira, julho 09, 2020

Valerio Magrelli II


Em tempos deixavas na página
o dia que passara, mas agora
só queres falar da própria fala.
Como se na jornada que a impressão
faz a caminho do papel
um fosso se tivesse rasgado.
E ao mover-se de uma
para a outra costa
toda a mercadoria se tivesse perdido
e o viajante,
tendo esquecido as suas viagens,
apenas pudesse falar dos perigos a que sobreviveu.


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Há um momento em que o corpo
se recolhe a si mesmo na respiração
e o pensamento pára e hesita.
Da mesma forma as coisas
aconchegadas pela lua
são submetidas à influência
do suspiro das marés
ou à flexão doce do eclipse.
E as tábuas dos barcos
incham delicadamente nas águas.


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O sono subtrai tanto à vida.
O trabalho suspenso na berma do dia
gradualmente afunda-se no silêncio.
A mente subtraída a si mesma
é velada pelas pálpebras.
E o sono cresce dentro do sono
como um sinistro segundo corpo.


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