quinta-feira, julho 09, 2020


O espírito despedaça-se nas coisas que pede, contra as roseiras, os aspectos em que a sua admiração o reflecte, no orvalho e nas fragrâncias que primeiro despertam, a manhã confunde-o sempre, algum eco dele cresce, persegue-o mais tarde quando já não se lembra, assim surgem dois corpos um atrás do outro, não é precisa tanta carne, basta a mesa, um grande bocado de pão sobre ela, a colher de sal, uma cebola doce, a espera com a luz indo e vindo, um homem acaba aproveitando, torna-se modesto, tudo o que o cala tira-lhe da boca os nomes com que a dor se lhe apresentou, os frutos rolam para longe da sua fome, se os morde fica nauseado e já não pode senão cuspi-los, já não quer fazer sentido do que lhe disseram as poucas mulheres, os olhos são ferida suficiente, as coisas sem vida sabem da morte o que importa reter, deu um golpe na garganta de alguém para apagar a lanterna que se movia ali perto quando a noite ficava mais escura, era para ser um crime mas foi outra coisa, o cabelo cai ou contorce-se, fios de cinza semeados, como se uma fonte de calor o preparasse para a própria extinção, um bosque inteiro ardeu para que uma flor o visse, ele usa os penhascos, põe do lado de fora as suas piores impressões, busca-as, desgasta-se fisicamente, iria para a guerra se ainda as houvesse, se se pudesse receber na carne uma flecha, se o aço do inimigo conseguisse atravessar a agonia do mundo, se tivesse a sorte de sufocar alguém e ouvir o grito de outros mil, e pudesse regressar àquela mesa e trincar o mesmo pedaço de pão, sentindo na boca o pavor, a pressa final do sangue e o gosto atroz de outro coração.

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