segunda-feira, maio 11, 2020


Uma pedra paira sobre a página
a chuva levanta um mundo debaixo deste
desapareces, tudo sufoca num sentido literal.
Em tempo de traição - escreveu ele
com o queixo partido e querendo dizer outra coisa -
as paisagens são belas.
O terror tem um efeito incomparável.
A flor que à mulher de outro se dá,
e como vive muito para lá do que seria razoável
tornando-se impossível de explicar.
Deve haver também uma tradição para isto
as fotocópias que tiro das fotografias
que não pudeste dar-me
corpos que se arrastou para lá da razão
escondidos como crimes entre versos
postos de lado para não causar escândalo.
Em louvor do comedimento imagino
o que seria preciso fazer de um cadáver
para o encerrar perfumado num soneto.
Desfizemo-nos de efeitos rápidos
mas não se consegue acabar com o mundo
a caminho da cama de um quarto de hotel.
Emoldurei o mandato de captura,
mas teria preferido ler o relatório e a perícia,
que encantamento foi usado como prova.
O teu reflexo preso no espelho diz qualquer coisa
é um gelo e torna o quarto visível dentro da noite
a máquina decomposta sobre a mesa
as teclas arrancadas como dentes
um rumor doloroso que envolve tudo.
Chega de noite invariavelmente
quem se serve deste caminho abreviado
de passos que devem mais à música
do que a um destino
que dão as voltas necessárias
para fazer da idade um castigo
lá onde esperamos que Deus nos arquive
onde mora o tempo de boca aberta, onde tu
espalhas os ossos ao longo de um eco
para o corrigir, ter a certeza
das palavras e do que dirão de nós
sabendo como fomos longe demais
até serem as palavras o que de pior pode haver.
E assim e contra a pedra solta dos monumentos
ir adiante até esgotar a língua,
provando que estávamos à altura
das coisas que dissemos um do outro.

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